A queda de braço em torno do projeto de lei que permite a venda de medicamentos isentos de prescrição (ou MIPs) em supermercados e similares ganhou novos contornos nesta semana, com farmácias e supermercadistas recebendo apoio de diferentes entidades profissionais e da indústria.

Durante audiência pública realizada terça-feira (27) na Câmara dos Deputados, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) se colocaram ao lado do varejo farmacêutico e desaconselharam a flexibilização da lista de estabelecimentos que podem comercializar MIPs.

Por outro lado, fabricantes reunidos na Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip) manifestaram apoio ao pleito do segmento supermercadista. Presidente do conselho consultivo da Abimip, Jorge Raimundo afirmou que 60% dos países permitem tal prática.

“Na Inglaterra [supermercados] podem vender analgésicos, a maior parte dos antiácidos, antissépticos, pastilhas para a garganta e medicamentos para gripe. Já nos EUA, o MIP está em todo lugar”, argumentou o representante da Abmip. 

 

“O mundo tem praticado a comercialização dos MIPs em outros pontos de venda que não farmácias e drogarias, mas no Brasil ainda existe um monopólio”, prosseguiu o advogado e consultor jurídico da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (Abad), Alessandro Dessimoni. Segundo ele, o aumento da capilaridade na distribuição beneficiaria a população de cidades menores. 

 

Caso aprovadas no Brasil através do PL 9482/18 (a proposta precisa passar por duas comissões antes de ir ao plenário), as novas regras poderiam gerar um milhão de pontos de venda novos atuando com os MIPs (segundo contas da Abad), uma vez que “similares” como minimercados e lojas de conveniência também poderiam se beneficiar. 

 

"Não é a primeira vez que se tenta [a flexibilização]. É a segunda ou talvez até a terceira. Todos elas foram sepultadas”, lembrou o presidente do CFF, Walter Jorge João. Uma das ocasiões ocorreu nos anos 1990, quando os supermercados chegaram a incluir os MIPs nas prateleiras por um período de tempo. Segundo dados citados pelos supermercadistas, o preço de alguns produtos chegou a cair 35% na ocasião. 

 

A proposta, contudo, gera preocupação entre conselhos profissionais de saúde, que temem uma “banalização” dos MIPs e uma consequente alta na incidência da automedicação pelo brasileiro – que, ironicamente, seria mais comum entre classes sociais mais altas ou entre indivíduos com formação superior.

“O uso indevido de medicação já causa 20 mil mortes por ano no Brasil”, afirmou a representante do CFM, Rosylaine Nascimento Rocha. “Está claro que se quer aumentar os pontos de venda em razão de interesses meramente econômicos”, adicionou Walter João, do CFF.

 

Mesmo afirmando que o assunto está em análise técnica e que um posicionamento oficial deve ser emitido nos próximos dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também fez uma série de ressalvas frente o tema.

Assessora do gabinete da presidência da agência, Andrea Rezende Takara observou que o projeto de lei em discussão “não menciona requisitos de qualidade e sanitários” para novos estabelecimentos que atuassem com MIPs, incluindo aspectos como guarda, manuseio, conservação e rastreabilidade dos produtos.

“A facilidade no acesso tem um lado bom, mas também gera um incentivo ao consumo que leva à automedicação e uso abusivo”, analisou Andrea – que também questionou como os supermercados se prepariam para atender a “obrigatoriedade de assistência do farmacêutico ou técnico durante o horário de funcionamento” de estabelecimentos que comercializam MIPs.

Tal argumento foi rebatido posteriormente pelo consultor jurídico da Abad. “Hoje, com as vendas pela internet, qual a orientação dada pelo farmacêutico?”, questionou Alessandro Dessimoni. “Se há tanta preocupação com intoxicação, que as farmácias passem o MIP para trás do balcão”, provocou o advogado.

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