(condensado de monografia apresentada em 2012 à Fac. Ciências Médicas da S Casa de S Paulo, Pós-Graduação em Adm. Hospitalar)


Muito já foi dito sobre o fenômeno do Absenteísmo no Trabalho. De comum
acordo em relação ao tema, há a constatação de que Absenteísmo é uma palavra que vem do latino absens ou absentis, de “ab” que significa fora ou longe, e “esse” de ser, estar. Antes de qualquer coisa, então, a palavra já nos traz a condição intrínseca ao fenômeno, o não estar. Aqui, discutiremos especificamente o não estar do faltar ao trabalho, o se ausentar a um compromisso assumido de presença e de labor.
Esclarecemos inicialmente que trabalharemos com os conceitos de Hannah
Arendt (2004) em que Labor é conceituado como todas aquelas atividades relacionadas com a manutenção imediata, ou seja, o laborar seria algo tangente ao biológico. O Trabalho seria algo não inerente à espécie humana, mas resultado de um processo cultural. Este será nosso norte conceitual toda vez que citarmos laborar e trabalhar. Jucius (1983) enumera sucintamente diversos motivos para este “faltar” ao trabalho:
- As enfermidades, que chegam a ocupar até 50% na lista das causas.
- As doenças ocupacionais, que minimizam a produção nas organizações.
- As horas de trabalho também contribuem para elevar o índice de absenteísmo, pois os funcionários que trabalham além de sua carga horária em atividades repetitivas, são mais propensos a adquirirem doenças ocupacionais.
- As más condições de trabalho juntamente com a falta de interesse pelo serviço,
também contribuem para o aumento do absenteísmo.
- Os assuntos pessoais, o mau tempo e a falta de transporte, que parecem ser fatores simples, também elevam o índice de absenteísmo.
- A atitude mental do indivíduo, que pode ser influenciada por fatores sociais,
econômicos, e por diversas opiniões de outras pessoas.
Parece-nos, logo de início que, dificilmente, ao se refletir atentamente acerca do
fenômeno do Absenteísmo, podemos fugir de um dos motivos enumerados acima.
Todavia, a realidade do absenteísmo, fonte de concreta evasão de recursos para
qualquer organização e um possível termômetro do clima organizacional, é claramente acentuada em algumas categorias profissionais mais do que em outras. O que, sem dúvida, situando-nos em nossa realidade brasileira e particularizando à área da Saúde, destaca a área de atuação da Enfermagem como significativa no que se refere ao Absenteísmo. O número de produções científicas que encontramos acerca do assunto enfatiza que a Saúde vem discutindo esta questão e a Enfermagem vem, em especial,
sendo alvo de diversos estudos e pesquisas que tentam apreender e compreender seus significativos índices de Absenteísmo. Podemos inferir então que, ainda no campo teórico, quiçá possam existir particularidades na Enfermagem que acentuam este ou aquele motivo distintamente, o que pode apontar caminhos para atuações igualmente distintas e talvez decisivas para atuar sobre esta grave questão.
Particularizando ainda mais, nosso interesse neste assunto provém de um longo
tempo de atuação na área de Saúde, tendo iniciado este percurso profissional
precisamente em Recursos Humanos. Posteriormente e até hoje na Administração de Saúde, temos nos deparado com índices de absenteísmo sempre significativos na Enfermagem. Esta é uma desafiadora questão na realidade das organizações de Saúde, questão esta não respondida satisfatoriamente. É fato que o absenteísmo na Enfermagem é um grave problema dessas instituições e muitas indagações são levantadas, mas esta é uma questão séria e deveras cara que nos pareceu ainda carecer de investigações especulativas que tentem alcançar concretamente resultados.
Ou seja, mais do que uma questão intelectual, o absenteísmo na Enfermagem (além do alto turnover, assunto que não será nosso foco aqui, mas que é algo igualmente preocupante...) é, antes de qualquer coisa, elemento descaracterizador do fluxo de cuidados ao paciente, na medida em que prejudica diretamente a qualidade almejada dos serviços prestados. Isto porque é o profissional de enfermagem aquele que mais tempo e atenção dedica a cada paciente nas instituições de saúde, dada a natureza de seu trabalho.
Pesquisando a bibliografia existente acerca da enfermagem, encontramos
diversas produções a respeito do tema absenteísmo. Contudo, a urgência aparente em apontar soluções, na maioria das vezes, definidas unicamente dentro do contexto das instituições de Saúde pesquisadas, foi algo recorrente na leitura da ampla maioria dos textos encontrados. O que pode fazer supor que as soluções estejam em verdade unicamente, ou praticamente apenas, no cerne de cada instituição, isoladamente. Este resultado intrigante motiva o presente trabalho.
A premissa básica a nos guiar é a de que não devemos cair na tentação de seguir para as respostas mais fáceis e prontas. Assim, realizamos um pequeno produto em sua forma, mas que foi arduamente desenvolvido. E o resultado é o que apresentamos a seguir.

2. OBJETIVOS
O objetivo central desta monografia foi rever a bibliografia sobre o tema
absenteísmo na categoria profissional enfermagem, tendo como questões norteadoras:
1 – A maneira como hoje se realiza a atuação da enfermagem pode acarretar alguma vinculação entre esta mesma prática e as relações de causalidade apontadas para o absenteísmo?
2 - É possível, a partir das causas e soluções apresentadas pela bibliografia pesquisada para o fenômeno do absenteísmo na enfermagem, iniciar uma discussão da própria maneira como se insere a atuação de enfermagem nas instituições de saúde, de modo a contemplar a atuação da enfermagem como trabalho, ou seja, o atuar com sentido?

3. MATERIAL E MÉTODO
Nossa revisão bibliográfica foi realizada a partir do levantamento de dados
através de pesquisas na Internet, em especial a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), e as bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) .Todavia, o próprio Google muitas vezes tornou mais prático chegar às mesmas bases de dados, além de nos referenciar diversas outras publicações. Não nos detivemos unicamente em pesquisar o Absenteísmo na Enfermagem. Vimos o Absenteísmo genericamente, o Absenteísmo na Enfermagem e alguns textos que tentaram compreender esta categoria profissional. Assim, o presente trabalho desenvolverá uma revisão bibliográfica onde se comentarão os motivos que levam ao alto absenteísmo na categoria Enfermagem, discutidos em diversos trabalhos científicos publicados acerca do tema, abrangendo o
período entre 1995 e 2010, comentando igualmente as soluções até aqui propostas acerca do problema. São dezoito textos ao todo, em que dez tratam especificamente do absenteísmo na Enfermagem. Um discute especificamente as condições mentais e sentimentos dos profissionais de Enfermagem em relação ao próprio exercício profissional. Dois textos se debruçam unicamente acerca do trabalho da categoria profissional em todos os seus aspectos. Três textos discutem o fenômeno do Absenteísmo no trabalho em geral. Um texto discute especificamente possíveis motivos para a motivação ou desmotivação no trabalho do enfermeiro. Uma recente publicação da enfermeira norte-americana Theresa Brown, denominado Critical Care: A New Nurse Faces Life, Everything in Beetween (2010) trata basicamente das angústias e dificuldades do enfermeiro em sua rotina. Discutindo de modo simples e direto questões
que nos devolvem à pesquisa bibliográfica previamente citada, foi utilizado como fonte de consulta constante.

Nosso caminhar será iniciado pela apresentação, no capítulo inicial, do próprio
Trabalho da Enfermagem, objetivando expor sucintamente a atuação desta categoria profissional. Logo em seguida, apresentaremos o que diz a bibliografia pesquisada acerca do fenômeno absenteísmo na Enfermagem. No momento seguinte, apresentaremos soluções propostas por aquela bibliografia para a questão do absenteísmo. Em seguida, comentaremos os resultados encontrados, destacando as relações de causalidade ou não, entre fenômenos descritos e propostas apresentadas. Ao final, teremos algumas conclusões. E aqui nos parece necessário lembrarmos que, se concluir é fechar, encerrar... Então toda conclusão é, essencialmente, provisória.

4. RESULTADOS:
4.1 O Trabalho da Enfermagem
Talvez a maior particularidade do trabalho da Enfermagem seja, antes de tudo, a
de intensa vinculação com o cuidado. E aqui, quando mencionamos a palavra cuidado, estamos pensando na visão de Martin Heidegger apresentada em Ser e Tempo, (1988) em que o mesmo afirma que aquilo que distingue o homem dos animais não é o pensamento, mas o cuidado (sorge). Este cuidado não é o mero cuidar como labor, tomando aqui emprestado o conceito de Arendt (2004). Ou seja, não estamos aqui apontando o cuidar como executar tarefas de cuidar. Mas o cuidar em Heidegger é o pré-ocupar-se com o cuidar, é o presentificar do cuidado, mesmo em não estando em presença do foco ou objeto do cuidado. Ou seja, o cuidar vem antes, durante e depois das próprias ações que definem in loco o cuidado. O pré-ocupar-se é cuidado. Tornar presente o cuidado, mesmo sem estar na presença do “cuidando”, seria, então, a mais cristalina característica humana. O labor seria o automático cuidar desvinculado de sentido. Em contraponto, nos parece claro então que o trabalho é apresentado, desse
modo, como o próprio exercício do cuidado. O exercício com sentido, com consequente produção de cultura.
E, em busca do sentido que norteia o movimento de cada um em direção ao seu
local de atuação profissional tentamos, a partir daqui, olhando a bibliografia
pesquisada, descrever a atuação daqueles que, talvez pelas características de suas atividades, mais se identificam com o cuidar em sua acepção mais profunda.
O profissional de enfermagem se insere na Instituição de Saúde de um modo
que difere singularmente do médico neste mister porque, se o médico é aquele que prioritariamente define como serão as diretrizes que nortearão o atendimento (e aí está o elemento marcante do cuidar do médico), aquele que atua na enfermagem será, efetivamente, quem se envolverá com o atender a maior parte do tempo.
Portanto, será aquele que fará o vínculo mais intenso com aqueles para os quais
faz sentido a própria razão de ser de uma Instituição de Saúde. Sem dúvida, é o
conjunto de profissionais que serão mais efetivamente evocados quando de qualquer lembrança daquele período em que o indivíduo inserido no contexto da atenção em saúde é denominado, efetivamente, paciente. Não é, e nunca será cansativo repetir, tarefa fácil ser profissional da enfermagem. Esta é uma ocupação, antes de tudo, de imensa responsabilidade e incontáveis atribuições. Igualmente, um conjunto de tarefas e decisões de denotada complexidade. Esta complexidade, todavia, remete-se imediatamente à prática do cuidar, em sua acepção mais simples - embora não se esgote neste cuidar - já que a definição intelectual dos passos norteadores do fazer da enfermagem seja, antes de
tudo, produzida em seu dia a dia pela categoria médica. Ou seja, é o médico
basicamente quem define intelectualmente o trabalho da enfermagem. De acordo com Silva Lima (o trabalho de enfermagem na produção de cuidados de saúde no modelo clínico) “a observação do cotidiano (dos cuidados de saúde) permite reconhecer que o trabalho coletivo é comandado pela racionalidade médica, à qual se submetem todos os profissionais envolvidos na produção de cuidados aos pacientes no modelo clínico de atenção em saúde...”. Isto corrobora a afirmação de que, de fato, o profissional de enfermagem é aquele que se caracteriza pelo garantir a conduta médica envolvendo-se, essencialmente, nos atos de cuidado imediato ao paciente. O modelo clínico de atenção à saúde reserva ao profissional de enfermagem, prioritariamente, a prática expressa previamente na decisão médica. Esta caracterização do ser da enfermagem também pode ser expressa na própria definição do que seja, em si, a Enfermagem, aqui em maiúsculo - porque rememorando toda a vasta contribuição deste fazer - ao conhecimento humano como um todo.
E é assim que Salomé et al (2009) exprimem como definição de enfermagem:
”A enfermagem é a atividade de cuidar e também uma ciência cuja essência e
especificidade são o cuidado ao ser humano de modo integral e holístico,
desenvolvendo de forma autônoma ou em equipe atividades de promoção e proteção da saúde e prevenção e recuperação de doenças”.
Mais uma vez, a questão do cuidado se destaca como uma questão de labor -
mais uma vez rememorando Arendt - e de trabalho. Este trabalhar se expressando, precisamente, no destaque à ciência em cuja essência e especificidade são o cuidado. Atividades de promoção e proteção reafirmam o conceito de cuidado ao modo heideggeriano, simultaneamente ao de trabalho de Arendt. E observamos também aqui que, apesar da hierarquização intelectual e prática colocando o ato médico em preponderância, a prática de enfermagem desenvolve, tanto em equipes como individualmente, atividades que promovem, protegem e recuperam doentes. Mesmo em equipe, existem particularidades inerentes ao próprio trabalho da enfermagem, e todo um modus operandi decorrente não só de boas práticas, mas do reconhecimento científico deste fazer, através da produção de vasto e próprio conhecimento intelectual desenvolvido ao longo da evolução desta profissão. Este processo vem modificando paulatinamente a própria prática da enfermagem e a relação desta prática com todas as outras disciplinas envolvidas no cuidar da saúde.
Por outro lado, características que se repetem na maioria das instituições, a
julgar pela semelhança apontada entre os diversos trabalhos estudados, apontam para questões penosas nas características do exercício da enfermagem. Por exemplo, Barboza, Soler (2003) afirmam que “a enfermagem constitui-se na maior força de trabalho, e suas atividades são frequentemente marcadas por divisão fragmentada de tarefas, rígida estrutura hierárquica para o cumprimento de rotinas, normas e regulamentos, dimensionamento qualitativo e quantitativo insuficiente de pessoal, situação de exercício profissional que tem repercutido em elevado índice de absenteísmo e afastamento por doenças”. Faria et al (2005) descrevem o ambiente hospitalar do seguinte modo:
“... é caracterizado, frequentemente, por uma estrutura formal e burocrática, que
dificulta a comunicação entre as pessoas, além de expor seus trabalhadores a riscos de ordem biológica, física, ergonômica, mecânica, psicológica e social. Inserida neste ambiente está a equipe de enfermagem, maior força de trabalho, que no desenvolver de suas atividades se vê, muitas vezes, forçada a conter suas emoções frente ao paciente”.

Mas... Será que a estrutura formal e burocrática dificulta comumente a
comunicação entre as pessoas, ou se não seria o modo de estabelecimento dessa
estrutura em algumas organizações?

Gehring Jr. et al (2007) destacam que “a periculosidade e a insalubridade do
trabalho de enfermagem são caracterizadas pela exposição a microrganismos
patogênicos (risco biológico), a radiações (risco físico) e a substâncias tóxicas (risco químico) Já o caráter penoso deste trabalho é influenciado pela grande quantidade de atividades que exigem esforço físico, por más condições do ambiente de trabalho e por tensões nas relações interpessoais”.
Gostaríamos de observar que tensões interpessoais são características de
pessoas interagindo com pessoas, independentemente de suas ocupações
profissionais.
Em se tratando da divisão social do trabalho entre profissionais médicos e da
enfermagem, Lima (1998) assinala que “assim, os médicos ocupam um espaço que é adequado ao trabalho intelectual. Possuem um local reservado para discussão, com mesas, cadeiras e livros... O pessoal de enfermagem raramente entra nessa sala e mesmo a enfermeira evita chamar um dos médicos quando estão ali reunidos...” E contrapõe que “por outro lado o posto de enfermagem é um local que se destina mais ao trabalho manual, com poucos lugares para sentar... Contíguo ao posto de enfermagem localiza-se a sala da enfermeira, na qual há um trânsito constante de pessoas, não só da enfermagem, mas também de médicos que vão ali para usar o telefone, tomar cafezinho... ou falar com a enfermeira sobre o cuidado dos pacientes”. E conclui que “essa divisão privativa de espaços físicos, que também são sociais, com características diferentes entre os locais de trabalho, traduz a supremacia do grupo social dominante”.
De fato, existe uma hierarquização que se não se esgota na supremacia do ato
médico, mas se reflete igualmente em sua expressão social. Muitas vezes, talvez na maioria, a distinção entre médicos e enfermeiros começa mesmo na escolha dos espaços ocupados por uns e por outros. Seja para conversar, prescrever ou descansar.
Mas, o que diz a literatura pesquisada a respeito da possível vinculação entre as
características da enfermagem e o fenômeno dos altos índices de absenteísmo
encontrados nesta categoria profissional? Estariam o cuidado e o trabalho sendo
preteridos por um automático labor, em consequência?

4.2 O Fenômeno do Absenteísmo Na Enfermagem
Vamos apresentar aqui o problema do absenteísmo na enfermagem e as
diversas relações de causalidade apontadas pela bibliografia pesquisada, acerca deste fenômeno.
A primeira constatação que fizemos é a de que, quase sempre, o absenteísmo
do qual se menciona é aquele por doença. Apenas um trabalho deu espaço à discussão de outros modos de absenteísmo na enfermagem. Jorge (1995) aponta que o trabalhador estudante muitas vezes falta ao serviço em razão dos estudos, como neste relato:
“Não compareci ao plantão porque era véspera da prova de Bioquímica II...
Estudei durante todo o dia e parte da noite, avaliei que deverei ter uma noite de sono para conseguir uma boa nota... perguntei aos meus colegas se poderia fazer troca de plantão, porém não consegui ninguém disponível”. . .
A autora questiona se existe facilitação para o profissional-estudante conciliar as
duas atividades, no contexto da organização de saúde. Também aponta a realidade do número de mulheres em superioridade na profissão, o que a leva a questões relacionadas à dupla jornada de trabalho, que muitas vezes a mulher executa simultaneamente na organização e na vida doméstica.
Outras questões são apontadas por Appolinário (2008), quando afirma que “as
organizações hospitalares envolvem o trabalho de um grande número de profissionais com o objetivo de promoção da saúde, combate às doenças e aos agravos à saúde, tratamento e reabilitação dos clientes. Entretanto, há fatores que desencadeiam ações estressantes: falta de material adequado, a insuficiência de pessoal apto para atividades ligadas à saúde e a desvalorização financeira do profissional da área da saúde. Fatores esses criadores de insatisfação e condição de agravo à saúde do trabalhador”.
Corroborando e indo além, Manetti, Marziale (2007) afirmam que “A sobrecarga
de trabalho e problemas na escala geram efeitos negativos na capacidade funcional e moral entre os profissionais de enfermagem, ocasionando a diminuição da satisfação, a menor intenção de permanecer no emprego, o aumento da depressão e do sofrimento, além de sintomas físicos como perda de apetite, nervosismo, indigestão, entre outros”. E mais além, segue afirmando que “o hospital apresenta agressões biológicas e não biológicas aos seus profissionais, principalmente pelo constante contato com pessoas que necessitam de auxílio, impondo atividades repetitivas e contínuas, agradáveis ou
não, privando os trabalhadores de se encontrarem, muitas vezes, com seus próprios sentimentos, obrigando-os a utilizar mecanismos de fuga ou ações defensivas para a realização de suas tarefas”.
Aqui entramos mais a fundo na questão do desgaste psicológico dos
trabalhadores de enfermagem, em que a desmotivação é claramente apontada pelas autoras como fator concorrente ao absenteísmo. Observamos que não há diferença em absoluto entre a atuação em instituições hospitalares e unidades ambulatoriais, setor público ou privado. As questões apontadas são sempre muito próximas entre si.
Barboza, Soler (2003) afirmam que “os agentes psicossociais causadores de
danos à saúde dos trabalhadores de enfermagem associam–se ao contato freqüente com o sofrimento e a morte; a monotonia de atividades repetitivas e parceladas e turnos rotativos de trabalho, fadiga que leva ao estresse”.
Sancinetti et al (2009) fazem um conciso e esclarecedor panorama quantitativo
do absenteísmo, através de pesquisa produzida em hospital de ensino:
“Verifica-se que dos 647 profissionais, 362 (56%) apresentaram, pelo menos, uma licença por doença no período. A comparação da proporção entre os profissionais da equipe de enfermagem que não se afastaram por doença em relação àqueles que apresentaram ausência por doença, evidencia diferença significativa (p<0,0001). A categoria denominada de técnico de enfermagem apresentou maior quantidade de profissionais ausentes por doença que os demais, dados similares aos evidenciados por outros pesquisadores. A idade média dos 362 profissionais ausentes por doença foi de 40,2 anos dentro do intervalo de confiança (IC) 95%” (39,2 a 41,2) anos, e a idade média dos 647 profissionais, representando o total da equipe de enfermagem foi de 40,3 anos, dentro do IC 95% (39,5 e 41,1) anos. Portanto, pode-se afirmar que, estatisticamente, não houve diferença significativa (p>0,5) com a distribuição de idade entre esses dois segmentos da equipe de enfermagem. Essa constatação permite afirmar que as ausências por doença não foram condicionadas pela idade. Estudo recente verificou que 40,6% dos profissionais de enfermagem que apresentaram absenteísmo encontravam-se na faixa de 41 a 50 anos, valor similar ao encontrado na presente investigação. A comparação entre as características dos profissionais ausentes por doença e dos demais da equipe de enfermagem não apresentou diferença significativa (p>0,5), indicando que o sexo também não influenciou o absenteísmo doença.”
Não é uma unanimidade entre os autores, mas técnicos e auxiliares de
enfermagem, em alguns levantamentos estatísticos, ausentaram-se mais do que
enfermeiros, em especial por doenças. Mas vale a pena destacar que faixa etária e sexo não influenciaram os índices, o que parece se contrapor, em relação a sexo, ao levantamento de Jorge (1995), quando relaciona absenteísmo e mulheres donas de casa que trabalham na enfermagem.
Em relação à morbidade, ainda Sancinetti et al (2009). descrevem o seguinte:
“Quanto aos principais grupos de doenças, dois deles, o do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo e o dos transtornos mentais geraram a maior quantidade de dias de ausências no trabalho, representando 4.957 dias e 3.393, respectivamente”, o que representa neste estudo, um total de 69,9% do total de afastamentos. Destes, 41,5% por doenças do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo e 28,4% por transtornos mentais. Diferentemente dos demais trabalhos, Reis et al (2003) relacionaram em seu estudo, realizado em um Hospital universitário em Minas Gerais, em 2000, com profissionais em regime CLT e estatutários, algumas conclusões que mais se aproximam do que se afastam de outros trabalhos acerca do tema, fazendo algumas conclusões bem elucidativas para a compreensão do fenômeno, quais sejam:
a) Os homens mais jovens afastam-se mais que os mais velhos.
b) Os homens afastam-se por período menor, embora com maior frequência que as mulheres.
c) Os funcionários estatutários (nas instituições públicas com regimes de trabalho mistos) afastam-se mais que os contratados por regime celetista, o que pode ser tanto pelo fato de os mesmos estatutários não se preocuparem com a relação direta entre a frequência de afastamentos e demissões, como também porque os celetistas são demograficamente mais velhos.
d) O afastamento da categoria ocorre muitas vezes por características do ambiente de serviço que exige critérios mais rigorosos de risco para a permanência do profissional em contato com o seu público, o paciente.
e) O enfermeiro afasta-se menos que o técnico, e os autores inferem ser em razão do menor número e maior responsabilidade, em contraposição aos auxiliares ou técnicos.
Os autores ainda acentuam que a probabilidade de um afastado uma vez ou mais ter um novo afastamento é maior do que aquele que ainda não se afastou, do ponto de vista de incidência estatística.
Faz-se necessário destacar aqui, o grande número de trabalhos que, direta ou
indiretamente, enfocam o absenteísmo relacionando-o à saúde mental do profissional de enfermagem.
“Há evidências de que os maiores índices de gravidade e frequência de
afastamentos referentes à população deste estudo sejam decorrentes direta ou
indiretamente do sofrimento mental. Possíveis explicações para isso são: trabalho desagregado em pequenas equipes; coordenação de unidades trabalhando isoladas dos corpos de decisão política, administrativa e sanitária, ou trabalho solitário; trabalho assistencial exercido com baixa resolutividade em virtude de pouco suporte diagnóstico, demora dos resultados e meios escassos de tratamento na área básica”. (Gehring Jr et al, 2007).
Observamos que os autores acima enumeram, como possíveis fatores de
absenteísmo, os trabalhos solitários ou desvinculados dos núcleos diretivos nas
organizações. Mais uma vez, embora aqui estes autores se refiram a profissionais que atuam na rede básica de saúde, vemos a mesma semelhança de hipóteses causais entre estes motivos e aqueles apontados entre profissionais que atuam em organizações hospitalares.
“Em estudo realizado em 23 unidades de saúde do Estado de Minas Gerais –
Brasil, objetivando identificar os transtornos mentais e comportamentais apresentados por trabalhadores de enfermagem, foi constatado que durante o ano de 2002, um total 15 de 692 trabalhadores de enfermagem teve diagnósticos relacionados a transtornos mentais e comportamentais, com diagnósticos classificados, segundo o CID como transtornos de humor (afetivos) (54,3%), transtornos neuróticos, transtornos relacionados com o estresse e transtornos somáticos(28,7%) e os transtornos mentais e de comportamento devido ao uso de substâncias psicoativas (5,5%). Foi constatado que 40,8% dos diagnósticos foram vinculados a patologias legalmente consideradas como doenças do trabalho, entre as quais se destacaram os episódios depressivos. Os transtornos mentais e comportamentais em trabalhadores de enfermagem se constituíram a segunda causa da demanda de atenção prestada pelo Serviço de Medicina do Trabalho”.(Manetti, Marziale, 2007).
Parece-nos muito relevante assinalar que pesquisas como a citada abaixo (Silva,
Marziale, 2000) relaciona diretamente os setores profissionais considerados mais penosos para um profissional de enfermagem com os índices de absenteísmo correspondente. Especificamente nesta pesquisa não há, para os autores, diferenças significativas entre os índices absenteísmo entre auxiliares de enfermagem e enfermeiros, na interpretação dos mesmos acerca dos índices encontrados:
“Os locais de trabalho que registraram os maiores números de dias perdidos foram o Pronto Atendimento com 301 dias perdidos (24,8%), seguido da Pediatria com 197 dias perdidos (16,3%), Gineco-Obstetrícia com 117 dias perdidos (9,6%) e da Clínica Médica com 110 dias perdidos (9,1%)... Quanto ao local de trabalho, os enfermeiros das UTIs ausentaram-se mais devido a doenças (82,6%) em relação aos outros setores, apresentando maior número de dias perdidos por doença (66,7%)... As duas categorias profissionais apresentaram número de faltas proporcionais. (Auxiliar de Enfermagem = 74,8% e Enfermeiro = 62,5%)”.
Ao nosso ver e, ao contrário do concluído pelos autores, novamente o enfermeiro ausenta-se menos, unicamente comparando os números apresentados acima.
Em Barboza, Soler (2003), repete-se a mesma vinculação entre absenteísmo e
setores considerados mais árduos sob os ângulos físico, mental e emocional para os profissionais de enfermagem:
“Verifica-se que os afastamentos acometeram, principalmente, funcionários que atuam em áreas mais complexas, como Unidades Especializadas (30,2%), UTI (27,2%) e Centro-Cirúrgico (14,7%), onde são alvos para um grande número de transtornos de ordem física, química e psicológica...”.
Especificamente em transtornos de ordem química, não encontramos dados que
corroborassem esta afirmação no material pesquisado. Embora não se possa
absolutamente excluir ou negar que o contato químico gere malefícios eventuais à saúde. E lidar com químicos, mesmo não os manipulando, faz parte das atribuições da enfermagem.
Todavia, é preciso destacar algo em comum em relação à quase totalidade do
material pesquisado: a natureza do trabalho da enfermagem com as causas apontadas para o fenômeno do absenteísmo, que se aproximam entre si. Sem dúvida, este é um dado que chama muita atenção, não há de ser casual e, portanto, será um tema que merecerá ser comentado à frente.


4.3 As Soluções Propostas
Após levantarmos as soluções propostas para o enfrentamento do problema do
absenteísmo na enfermagem, percebemos uma grande semelhança entre as propostas apresentadas, além de uma tendência de, neste ponto, a maioria dos trabalhos centralizar na própria organização pesquisada, as possíveis soluções para a questão.
Assim, Martinato et al (2000) apresentam, como conclusão à sua revisão
bibliográfica, duas propostas:
1)Utilizar instrumentos de dimensionamento do pessoal de Enfermagem;
2)Ações preventivas para tornar melhores as condições de trabalho, como programas e outras ações de saúde e divisão adequada de trabalho.
Ao final, o texto enfatiza que é preciso sensibilizar a Instituição para
compreender a importância do correto dimensionamento da equipe de Enfermagem, o que melhora a qualidade dos serviços e a saúde do trabalhador. Como rapidamente podemos apreender, a solução do problema estaria, assim, no cerne da instituição, unicamente. O que também ocorreu com Manetti, Marziale (2007), onde foram propostas como estratégias profiláticas o suporte administrativo, relacionamento interpessoal e divisão de trabalho com dimensionamento adequado de equipes. Redução de estresse laboral, gerenciamento da depressão e implantação de Programas de Saúde do Trabalhador devem apoiar as estratégias citadas anteriormente.Becker, Oliveira (2003) chegaram exatamente às mesmas conclusões acima.
Nas conclusões, Barboza, Soler (2003) sugerem que os resultados obtidos neste
estudo podem subsidiar a Chefia de Enfermagem e Administração Geral do Hospital a intervir nas condições de trabalho existentes na equipe de enfermagem e, assim, melhorar o contexto apresentado.
Contudo, em sua introdução, o trabalho discute que diversos outros fatores
podem, internos e externamente à instituição, interferir nestas condições, o que não é contemplado nas suas propostas, já que apenas mencionam questões internas. Gehring Jr et al (2007) sugerem que, no intuito de melhorar as condições de saúde do trabalhador, deve-se atentar à diminuição da exposição “às cargas de trabalho” e desenvolvimento de uma política de saúde do trabalhador para a categoria.
Faria et al (2005) apontam a necessidade de redimensionamento do quadro de
enfermagem e a revisão da política de recursos humanos, enfatizando a busca pela melhoria da qualidade de vida dos funcionários. Aqui foi citada a questão da dupla jornada de trabalho institucional (o ter dois empregos), o que o diferencia da maioria dos textos fichados, assim como Appolinario (2008), que igualmente menciona a dupla jornada de emprego como possível fator de absenteísmo na categoria profissional. Mas, na prática, minimiza a questão e a devolve unicamente à instituição, ao apontar como soluções o “planejamento adequado das funções de cada trabalhador da empresa e com a comunicação desse custo ao trabalhador e sua equipe, reforçando a responsabilidade de todos no alcance das metas institucionais, entre as quais o controle da qualidade assistencial e dos custos e a satisfação dos clientes”. Além disso, a autora sugere que “a conscientização do profissional de enfermagem quanto à
importância do equipamento de proteção individual (EPI) também é um colaborador na diminuição das ausências” e “o uso de recompensas ao funcionário que mais se destaca na equipe, incluindo bonificações e premiações com folgas ou preferência na escolha das férias, também é utilizado em vários ramos profissionais com considerável aceitação. As empresas devem adequar o tipo de prêmio a ser concedido em acordo com seus funcionários, proporcionando assim maior contato do trabalhador com os seus gerentes”.
Junkes, Pessoa (2010) afirmam que o absenteísmo é “essencialmente um
problema de gestão” e esperam que os gestores dos hospitais de Cacoal “revertam os gastos demonstrados, em estratégias que motivem seus colaboradores como plano de carreira, redução de gastos com medicação e premiações por assiduidade”. Por outro lado, Jorge (1995) em suas considerações finais, frisa a importância da avaliação qualitativa associada a métodos quantitativos na análise da questão do absenteísmo e destaca como é importante conhecer “a problemática que provoca uma falta ou uma licença prolongada se quisermos intervir de forma efetiva”. Destaca os problemas sócio-econômico-culturais que devem ser compreendidos em sua complexidade e cita os vínculos do trabalhador fora da instituição. Frisa a questão do contexto extra muros e a necessidade de associá-los ao local de trabalho. Ou seja, contextualiza a questão do absenteísmo numa abrangência mais ampla que a relação do profissional com a instituição.

5. DISCUSSÃO
Parece-nos relevante afirmar que são curiosamente semelhantes entre si, tanto
as descrições encontradas nos textos acerca do próprio trabalho da enfermagem, como as causas mencionadas para os altos índices de absenteísmo. Senão vejamos:
Tomando por referência direta os textos pesquisados acerca da caracterização
do trabalho da enfermagem, podemos descrever que a enfermagem é atividade de cuidar e ciência. É a maior força de trabalho em qualquer instituição de saúde e suas atividades são na maioria das vezes fragmentadas. Sua hierarquia é rígida. O ato médico define intelectualmente a direção de suas atividades, que são multifacetadas e executadas muitas vezes em sobrecarga por carência numérica e qualitativa de profissionais. Riscos químicos, físicos e biológicos são presentes, além daqueles ergonômicos e sociais. Além de tudo, os autores apontam que é difícil o lidar com o sofrimento do outro e não se deixar envolver. Finalmente, há indícios de que a profissão é socialmente inferiorizada diante da profissão médica, dentro do próprio ambiente das instituições de saúde. O stress resultante do embate entre as duas categorias profissionais também seria algo altamente desgastante no cotidiano da enfermagem. Rigorosamente a mesma caracterização do parágrafo anterior, mencionando a fragmentação de atividades, a supremacia do ato e posição médica na hierarquização intelectual e social do trabalho, a rígida hierarquia inerente à categoria, os riscos físicos,
biológicos, ergonômicos e sociais, o difícil lidar com o sofrimento do outro e as
dificuldades de relacionamento com a profissão médica, são os problemas apontados como fatores ao elevado absenteísmo da enfermagem. E isto na totalidade dos trabalhos pesquisados.
Esparsamente encontramos fatores como a questão da dupla vinculação
empregatícia, a jornada doméstica e profissional das mulheres e “a desvalorização financeira do profissional da área da saúde” citada por Appolinário (2008) em que, observamos, a autora cita a desvalorização do profissional da área, e não o profissional da enfermagem. A generalização não resulta em índices diferenciados de absenteísmo aplicáveis a toda a área da saúde, mas especificamente à enfermagem. O que desmerece, ao nosso ver, o citar isoladamente a remuneração percebida como causa.
A questão da dupla jornada doméstica e profissional é hipótese também questionada entre trabalhos, já que Reis et al (2003) afirmam através dos dados de sua pesquisa que “os homens afastam-se mais por período menor, embora com maior frequência que as mulheres”. Não vemos como possível deduzir que a dupla jornada entre os afazeres domésticos e a ocupação profissional possa ser fator determinante para um maior absenteísmo do sexo feminino na  enfermagem. Mas talvez, a dupla jornada entre afazeres domésticos e o trabalho de enfermagem possa resultar em maior índice de absenteísmo, principalmente em mulheres, mas não exclusivamente. E igualmente talvez, a maior freqüência de afastamentos masculinos, embora por período menor, possa estar relacionada diretamente com a dupla jornada de trabalho profissional, principalmente entre homens, mas não exclusivamente. A relação entre a necessidade da dupla jornada profissional e o absenteísmo “mergulha no mesmo mar”, por assim dizer, as três questões citadas no início do parágrafo, do seguinte modo:
A hipótese de a baixa remuneração ser fator concorrente ao absenteísmo pode
levar à busca por acumulação de vínculos empregatícios, o que é exaustivo, assim como a soma do labor doméstico e as ocupações profissionais.
Diretamente vinculada à questão anterior (embora não deste modo relacionada
em nenhum dos trabalhos específicos sobre a questão do absenteísmo, por nós
pesquisados...) na maioria das vezes há fragmentação de tarefas (em nossa própria unidade hospitalar foi implantado o cuidado ao paciente sem fragmentação. Isto é: dividir o total de pacientes pelo número de profissionais disponíveis, o que faz cada paciente ter o “seu” técnico). Esta fragmentação, por sua vez, não pode ser resumida a um método de gestão da enfermagem, uma mera escolha administrativa, mas aos diversos fatores que interferem no dimensionamento do quadro, entre eles o econômico. É verdade que, muitas vezes, o número de profissionais é menor do que o “pico” do movimento hospitalar, já que em geral se contrata dimensionando a média de movimento, e não o pico. Esta é uma prática adotada por empresas de diversos segmentos econômicos. Na Saúde, talvez esta prática devesse ser amenizada por um
quadro dimensionado de modo a ser um pouco mais elevado do que a demanda média de pacientes. Todavia, e este é um dado comum entre as unidades hospitalares participantes das diversas pesquisas enumeradas nos trabalhos encontrados, a demanda principal é sempre o SUS. Este, mesmo sendo o maior convênio brasileiro e, embora também reconhecidamente um magnífico projeto em sua aplicabilidade, continua remunerando mal, o que dificulta às unidades de Saúde investirem mais e melhor nos seus colaboradores, incluindo-se aí a enfermagem. Além disso, capacitação gerencial como um todo (e não apenas centralizada à enfermagem), como demonstra a preocupação da Fehosp e CMB investindo nesta questão, por exemplo, resulta inquestionavelmente em utilização racional de recursos por parte das entidades, o que pode resultar em melhores remunerações. Todavia, não podemos deixar de citar que, em qualquer segmento de mercado, é a oferta que define o custo. E qual é a oferta de profissionais que as organizações na Saúde possuem disponível no mercado?
Resultante de baixa remuneração, a busca por mais de uma ocupação por parte, tanto de técnicos e auxiliares como de enfermeiros, resulta em profissionais cansados, num mercado falsamente inundado de profissionais (porque muitos atuam em duas empresas simultaneamente...), que tendem a não suportar a carga de trabalho dobrada - e às vezes triplicada - por muito tempo. O profissional começa por tornar-se estatística de absenteísmo e acaba como estatística de turnover. Isto se não entrar antes como estatística de absenteísmos de longo prazo, encarecendo então os custos previdenciários, para citar um problema geral. E a perda muitas vezes definitiva da qualidade de vida do profissional. Porque não podemos esquecer, afinal, precisamente aquela pessoa que executa o seu fazer profissional. Parece-nos, portanto, como vimos, que a valorização social do papel profissional não encontra eco em boas remunerações, no caso do profissional da Enfermagem. Em resposta a isso, encontramos textos com respostas como esta:
“De qualquer forma, os resultados obtidos fornecem subsídios fundamentais para a implantação de políticas institucionais que visem não somente o lucro, mas também a qualidade de vida dos seus funcionários”.(Faria et al 2005).
Paradoxal é descobrir que a pesquisa realizada por este trabalho versa acerca de
unidade filantrópica, o que nos parece tornar ainda mais precipitado falar em “políticas institucionais que visem não somente o lucro”. É perversa a relação entre mercado de trabalho e salários? Possivelmente, mas é mais perverso ainda analisarmos disparidades salariais a partir do interior de cada organização, sem relacionarmos a situação encontrada em uma dada instituição com o a permeabilidade destas mesmas organizações ao ambiente externo em seus diversos aspectos, incluindo-se aí o como e quanto as próprias organizações de saúde são remuneradas em nosso país. No presente momento, diversas Procuradorias do Trabalho em diversas partes do Brasil parecem estar preocupadas com o fato dos profissionais de enfermagem atuarem em
mais de uma organização. A própria instituição filantrópica onde atuei foi “convidada” a assinar em  um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que definiria que profissionais de enfermagem, no intuito de preservar o paciente e o próprio técnico ou enfermeiro, deverão ter vínculos de 8 horas diárias sem acúmulo de vínculos. Esta “solução”, ao nosso ver, longe de resolver a situação de baixa remuneração, deverá aumentar tanto o desemprego na área como a busca por ocupações profissionais fora das instituições e/ou da própria enfermagem. Em longo prazo, poderá desmotivar o ingresso em escolas técnicas e faculdades na área, o que reduzirá a oferta de profissionais. O que poderá aumentar o custo por contratação. É justo deixar,desta maneira, ao mercado valorizar em termos financeiros o profissional da enfermagem? E tem mais: Como vão as organizações arcar com estes custos, em especial aquelas filantrópicas, se
redefinidos deste modo?
Algumas afirmações geraram questões a respeito da estrutura das organizações.
A estrutura formal e burocrática dificulta comumente a comunicação entre as pessoas, perguntamos? Ou seria o modo de estabelecimento desta estrutura em algumas organizações? De fato, há uma rígida estrutura hierárquica que permeia o trabalho da enfermagem. Faria et al (2005) afirmaram, como vimos anteriormente, que a estrutura hierárquica rígida dificulta a comunicação interna. Temos dúvidas se isto necessariamente ocorre a priori. O que nos parece é que se a estrutura hierárquica dificulta a comunicação, esta mesma estrutura está com problemas que igualmente dificultam um atendimento de qualidade. Mas não vemos necessariamente a estrutura hierárquica como um mal em si. Ao contrário, a hierarquia norteia toda a estrutura de qualquer organização.
Em relação ao conter as emoções frente ao paciente, como seria este “forçar”
(Faria et al 2005)? As características inerentes à profissão envolvem esta contenção de emoções, precisamente por ser esta uma entre algumas profissões que envolvem ações sobre o direto sofrimento de pessoas como o são os próprios profissionais de enfermagem. Mas talvez esta seja precisamente a profissão em que mais tempo é despendido por um ser humano - dentro do tempo e relação de tarefas executadas por um indivíduo - mergulhado no sofrimento de outros seres humanos. De todo modo, não nos parece certo afirmar que o profissional de enfermagem seja forçado a conter suas emoções expressamente por uma determinação hierárquica, mas pelas próprias características de lidar com o sofrimento de outrem continuamente, sofrimento este expresso de diversos modos através de quadros clínicos e prognósticos igualmente diversos, o que exige uma postura aparentemente blasé. Postura esta que, na maioria das vezes, não encontra eco naqueles momentos em que o profissional de enfermagem
encontra colegas nos denominados “postos de enfermagem” e, aí sim, muitas vezes expressa sua preocupação e compaixão entre seus pares. Até porque não podemos perder de vista o seguinte fato:

Talvez não exista modo mais contundente de recordarmos nossas próprias dores e inexorável caminho para a finitude, do que acompanhando esta situação em nossos semelhantes.

No que se refere às soluções propostas à questão central, na maioria dos textos
pesquisados verifica-se que resolver o absenteísmo é olhar unicamente partir de dentro das instituições de saúde os instrumentos para minimizar ou resolver o problema. Sempre, todavia, vimos estas fontes enfatizando alguns enfoques, ora
destacando as especificidades do trabalho da enfermagem, ora questões motivacionais relacionadas ao mesmo e questões de cunho socioeconômico. Muito raramente, tentando integrar todas estas questões. E, na ampla maioria das vezes, mesmo quando há a percepção de que fatores externos à organização também interferem no processo de trabalho da enfermagem, nas conclusões o assunto absenteísmo é tratado quase sempre apenas como um problema interno às organizações. Com isso, perde-se precisamente a oportunidade de percebermos a semelhança da descrição da atuação do profissional de enfermagem enquanto caracterização da profissão e os fatores levantados como causa do absenteísmo serem, quase em sua totalidade, os mesmos. Ficamos algo atônitos ao selecionar nos textos descrições da atuação e fatores possivelmente geradores de absenteísmo como uma única coisa, o que nos leva diretamente à hipótese de que o próprio perfil da profissão como se desenha hoje, seria o próprio fator central que leva o profissional a faltar ao trabalho.
Por questões como o difícil lidar com o sofrimento de outrem num nível tão intenso de outro semelhante sem sofrer intensamente. Ou a relação da enfermagem com a classe médica, apontada como penosa. As diversas questões de saúde física e mental seriam, enfim, resultantes ou concorrentes ao absenteísmo. Por razões econômicas que acabam por gerar absenteísmo, já que a remuneração apontada em diversos trabalhos como questionável leva aqueles profissionais a uma carga de trabalho excessiva. O que novamente leva a questões de saúde do trabalhador em seus diversos aspectos. As soluções como programas de saúde do trabalhador no âmbito da empresa, e outras de solução organizacional, citadas em diversos trabalhos, sem dúvida auxiliam. São necessárias, mas não apenas à enfermagem. Nem mesmo exclusivamente aos
trabalhadores da saúde. Todavia, definitivamente, o absenteísmo na enfermagem não é exclusivamente um problema de gestão. Mas, ao examinarmos questões internas com aquelas externas apontadas nos preâmbulos, às vezes, dos mesmos trabalhos pesquisados, há a pressa em solucionar as dificuldades da enfermagem com soluções quase sempre umbilicais.
Entretanto encontramos num trabalho específico, justamente num título que não tinha como foco a questão do absenteísmo, mas a atuação do profissional de
enfermagem como um todo, algumas considerações esclarecedoras, que nos
pareceram mostrar caminhos para recuperar este trabalho do profissional de
enfermagem, retirando-o da progressiva percepção de estar o mesmo sendo vivido, por uma série de fatores, como um labor. Portanto, sem vinculação, sem cuidado (sorge). E, por conseguinte, sem sentido. E será precisamente este estudo que será o ponto de partida a nortear nossas conclusões.
25
6. CONCLUSÔES
A autora Maria Alice Dias da Silva Lima (1998) aponta nas conclusões de sua
tese de doutorado que as soluções internas passam por rever a própria produção de cuidados. Ela insere - sem citar a questão do absenteísmo, mas centrada na atuação do profissional de enfermagem e suas vinculações hierárquicas tanto com a hierarquia de poder como aquela gerada pela própria hierarquização do saber - a questão do modelo clínico.
“Embora o modelo clínico de organização tecnológica tenha como finalidade o
tratamento e a recuperação em dimensão individual, verificou-se que, no atendimento prestado ao paciente, não há preocupação com a totalidade desse ser como sujeito concreto, que tem manifestações próprias devido à doença e aos procedimentos aos quais é submetido”. Isto relacionado ao conjunto de atuações que integram os cuidados à saúde de todas as categorias profissionais envolvidas nos cuidados de saúde. Conclui então que a “despersonalização é uma característica marcante na assistência prestada”.
Esta despersonalização nos parece uma situação contraditória com uma visão
que contemple a real complexidade de cada indivíduo que denominamos, quando sob cuidados de saúde, de paciente. Como também há de ser com uma visão clara de como se dá a própria atuação das diversas categorias técnicas numa instituição de saúde. Inclusive individualmente para cada um dos próprios profissionais inseridos nela, ao se perguntarem sobre o que estão, de fato, fazendo para a realização dos devidos cuidados ao paciente.
Lima (1998) apresenta, paradoxalmente, que a prática destes cuidados mostra
uma “vinculação de interdependência entre o trabalho do médico e o trabalho de
enfermagem, na produção de cuidados de diagnóstico e terapêutica”. Na seqüência, a autora propõe mudanças no próprio modelo, para enfatizar a interdisciplinaridade na própria definição intelectual com “incorporação de saberes de diferentes especialidades”, o que possibilitaria uma melhor qualidade do cuidado e contribuiria para a satisfação dos profissionais na realização do trabalho “. E refere que” a construção de uma nova lógica para conduzir o modelo clínico requer, também, alterações no funcionamento das instituições e teria que resgatar a discussão sobre o modelo de gestão utilizado”, por julgar que nas instituições há um modelo de gestão “pautado no taylorismo e na burocratização, que conduz os profissionais à alienação e ao agir mecânico”. Ou seja, “modificação do processo de trabalho, com ênfase no trabalho da equipe interdisciplinar e na redistribuição de poder”.
Pode até parecer, num rápido olhar, que novamente a questão da satisfação
profissional e as implicações de sua falta (que podemos candidamente denominar como “a questão do absenteísmo”, mas, a partir destas imbricações tão amplas talvez fique limitado assim procedermos...) esteja sendo devolvida aos espaços internos de cada instituição. Se estivermos falando de modelo clínico e associando-o ao modelo organizacional predominante, poderemos estar contemplando a hipótese deveras incômoda de que nossas instituições possam, talvez em sua maioria, estar adequadas do ponto de vista organizacional a um modelo de atenção à saúde que deixa escapar a complexidade de cada indivíduo tratado. Teria o modelo clínico se instaurado como fragmentado para se adaptar a uma ideia de organização fragmentada? Ou um modelo administrativo fragmentado ter sido implementado na saúde para se adequar a uma visão que não percebe de modo interdisciplinar a integralidade de cada indivíduo?
Compartilhamos da visão colocada por Lima (1998) de que modificar o modelo
clínico impõe também uma mudança no modelo de gestão, que integre o ator do
processo de cura na gestão técnica, mas igualmente no processo administrativo.
Podemos supor que também o médico há de estar desconfortável em seu papel
supremo de elemento máximo na hierarquia de saber em que foi colocado. Isto porque sua profissão é igualmente multifacetada, talvez nem tanto na relação com profissionais de enfermagem, nutricionistas e outros técnicos. Mas sem dúvida naquela com as outras especialidades médicas. E com a real limitação que é olhar para o paciente unicamente como portador de um quadro clínico que ele, isoladamente, definiu, sem a participação decisiva dos profissionais não m&ea