Não confundir seleção de riscos com aceitação de riscos

No primeiro termo (seleção de riscos), existe a possibilidade de impedir a venda para algum cliente que foi julgado possuir um nível de risco elevado para a operação do negócio. Já o segundo termo (aceitação de riscos), não existe a proibição da venda, mas sim, uma apuração detalhada de várias informações que forneçam um cálculo atuarial do preço mais justo possível.

Conforme a Súmula 27 da ANS, a seleção de risco não pode ser praticada no Mercado de Saúde Suplementar. Entretanto, a aceitação de riscos (underwriting) sim, pois faz parte da estratégia das operadoras como forma de contribuir para mitigar o risco de subscrição, também conhecido como risco atuarial.

No meu artigo anterior, que tratava sobre precificação, destaquei a forma de apresentação dos preços, que geralmente, pode ser visto na figura abaixo (no coletivo até 100 vidas é um exemplo e não um padrão):

Neste contexto, vou discorrer nos próximos parágrafos, sobre as informações mínimas necessárias para cotações de empresas (planos coletivos acima de 100 vidas, por exemplo) de forma a desenvolver instrumentos que servirão para o cálculo mais justo.

Como forma de delimitação, iremos concentrar esse texto na contratação coletiva empresarial.

 

Segundo Art. 5º da RN 195, o plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial é aquele que oferece cobertura da atenção prestada à população delimitada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou estatutária.

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Primeiramente a área responsável pela aceitação de riscos deve ser independente da área de vendas para evitar o conflito de interesse. Além disso, ela deve ter autonomia para reavaliações do preço a fim de suprir aspectos mercadológicos (principalmente concorrência). Abaixo do piso estabelecido deverá ser levado à diretoria para aprovação extraordinária. Cada cotação deve ser entregue tomando como base uma referência de preços.

Importante salientar que não basta apenas apertar um botão de um sistema (ou planilha) e o preço, num passe de mágica, surge como o valor ideal. As informações que serão destacadas mais a frente podem estar contidas no sistema (ou planilha) no conjunto de premissas, mas mesmo assim, existe ainda a necessidade de analisá-las com calma, além de várias outras informações quantitativas e qualitativas que devem ser ponderadas no pós cálculo inicial. Por isso é necessário estabelecer um prazo mínimo de 2 dias úteis, mas dependendo da análise, pode chegar até 5 dias úteis.

A cotação (proposta de preço) deverá ter uma validade. Sabe-se que geralmente essas negociações são demoradas, então estima-se uns 90 dias como padrão, pois acima disso, pode comprometer o aumento de custo da base da carteira que é utilizada no cálculo, que por sua vez, também possui um cronograma de atualização. 

É de suma importância elaborar um formulário de aceitação de riscos que a área de vendas preencherá com base nas informações repassadas pelos RHs das empresas interessadas na prospecção. Nele deverá conter questionamentos de natureza demográfica, financeira, dentre outras e servirá de insumo para a área de aceitação de riscos.

Outro aspecto importante de se destacar é que, em uma possível análise comparativa, não se pode baixar o preço, pelo simples fato de possuir muitas vidas na cotação. Por exemplo: para uma cotação com 500 vidas, o preço deverá ser bem mais caro do que o preço para uma cotação com 5.000 vidas, com a alegativa de que quanto maior o número de vidas maior a diluição de risco. Sim, de fato existe a diluição do risco através do mutualismo, mas analisando de forma fria, isso poderá não ser verdade, pois diversos outros itens, além da idade média, % de idosos, nº de mulheres em idade fértil, devem ser analisados em conjunto, senão vejamos:

  1. Razão Social / CNPJ / Endereço
  2. Ramo de Atividade. Esta informação é importante pois cada ramo de atividade possui sua experiência de utilização dos serviços médico-hospitalares. Indústria (geralmente com predominância de homens com risco significativo de acidentes) é diferente de uma confecção (geralmente com predominância de mulheres em idade fértil), por exemplo. Se for uma indústria mais distante mas que possua um ambulatório interno, esse ambulatório já será mais um item de análise. Restaurante é diferente de Call Center (geralmente acometido por problemas como Ler/Dort) e assim por diante.
  3. Possui assistência médica? Se sim, qual operadora? Quanto tempo? Qual a data-base? Esta informação é importante pois caso a empresa não possua plano de saúde para seus funcionários, provavelmente surgirá o fenômeno chamado "demanda reprimida", elevando os custos.
  4. Porque deseja cancelar o contrato atual? Ou, qual o motivo para a cotação? Esta informação é importante pois pode ser que a outra operadora esteja propondo um reajuste elevado face a sua experiência de custos e com isso pode ser um balizador de como será a experiência na operadora a ser contratada.
  5. A empresa financia o plano? Se sim, qual o percentual? Aqui é válido saber pois insere na questão da inadimplência, além do fato de que se o plano for com coparticipação e a empresa pagar esta conta, o fator inibidor perde o sua principal função que é inibir as utilizações desnecessárias, pois não vai mexer no bolso dos funcionários, onde do contrário, poderia levá-los a racionalizar suas decisões. Outro ponto de análise é a continuidade, por tempo determinado, do benefício após uma demissão sem justa causa, pois um dos critérios para ter direito a isso, conforme regras da RN 279/11 da ANS, é ter contribuído na mensalidade mesmo que seja de forma parcial (coparticipação não é considerada forma de contribuição, pois ela é definida como redutor de custo).
  6. A empresa já foi cliente da operadora? Esta informação é importante pois assim pode-se resgatar como era a experiência de custo no passado e se ter uma ideia de inferir o futuro. Além da questão da inadimplência.
  7. Qual o salário médio dos funcionários? Esta informação é mais para alguma possível segmentação de produtos, em função dos cargos, caso na negociação seja apreciada essa possibilidade, pois, dependendo do caso, o comportamento de utilização pode variar, e assim pode ser uma forma de tentar mitigar a assimetria informacional.
  8. Quais os produtos a serem contratados? Vide item 7 acima. 
  9. Número de vidas, segmentada por: a) faixa etária (00-18 / 19-23 / 24-28 / 29-33 / 34-38 / 39-43 / 44-48 / 49-53 / 54-58 / 59 ou +); b) masculino e feminino; c) titular e dependente. Esta informação é muito importante, pois além de estar relacionada diretamente com o cálculo do preço, os comportamento são diferentes e devem ser obrigatoriamente considerados na ponderação.
  10. Preço per capita X Preço por faixa etária. Mesmo que o preço per capita seja uma média ponderada entre o número de vidas e o preço por faixa etária, respeitando assim o mesmo faturamento, esta informação é de suma importância pois está atrelada diretamente ao mutualismo e ao custeio do plano no regime de financiamento Repartição Simples.
  11. Número de vidas internadas ou afastadas / Número de mulheres grávidas. Esta informação é muito importante, pois já se sabe os possíveis aumento de custos já previstos na nova contratação.
  12. Número de vidas que residem fora do Estado da operadora. Esta informação é importante pois já se terá uma ideia de quanto poderá interferir na PEONA, caso a operadora possua metodologia de cálculo própria. 
  13. Qual o percentual de agenciamento e/ou comissionamento vitalício? Esta informação faz parte de uma das premissas de cálculo e como possui impacto direto no preço poderá haver negociação entre as partes: vendedores internos, lojas terceirizadas ou multimarcas, corretores etc. Contudo, destaca-se aqui que geralmente as operadoras possuem uma política de comissionamento e a mesma deverá ser respeitada dentro de seus controles internos, qualquer mudança deverá passar por comitês específicos ou até mesmo a diretoria para aprovação extraordinária. 
  14. Verificar a CND – Certidão Negativa de Débitos ou outros documentos da empresa. Esta informação é muito importante, pois assim se sabe com quem está se fazendo uma parceria, evitando assim problemas com inadimplência, por exemplo.
Cada caso é um caso!

Após a aprovação da cotação até a inclusão do sistema da operadora, existem outras necessidades a serem observadas, como por exemplo os documentos necessários definidos na política de subscrição. Além disso, um controle a ser feito (pelo menos uma amostra) seria de comparar o seguinte:

  • Preço cotado versus preço registrado no sistema da operadora. Se houver divergência, pode ter sido gerado pelo erro humano por exemplo, e faz parte do risco operacional que deve ser acompanhado muito de perto.
  • Perfil da massa cotada versus perfil da massa registrada no sistema da operadora. Se houver divergência, pode ter sido gerado pelo erro humano também ou pelo lapso temporal entre a aprovação e registro (pessoas vieram a óbito ou mudaram de faixa etária ou não fazem mais parte da empresa, dentre outros).

Os desvios encontrados nesses dois pontos acima podem contribuir para o resultado negativo futuro do contrato.  

Após a contratação, se faz mister uma outra fase de pós venda: acompanhar a empresa, monitorando as utilizações, promovendo a prevenção de doenças e a promoção à saúde, disponibilizando relatórios analíticos e sintéticos a fim de verificar a consistência do preço aferido junto da gestão dos custos.

Por fim, lembro que a sinistralidade (um dos indicadores de desempenho econômico-financeiro) provavelmente será menor no primeiro ciclo de 12 meses em função do pagamento dos prestadores (clínicas, laboratórios, hospitais etc.) se fazer em média após o 2º mês de contratação (prazo médio de pagamento), já construindo assim o caudal de custos. Tudo isso deverá ser analisado nos reajustes vindouros, mas ai é tema para o outro artigo já publicado.

Obrigado pela leitura!

Vamos em frente...

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