Quem se graduou em Administração certamente passou horas debruçado sobre um livro acerca da Teoria Geral da Administração, estudando as teorias de gestão das empresas que surgiram ao longo dos séculos XX e XXI.

Uma delas é o taylorismo-fordismo das primeiras décadas dos anos 1900, por exemplo, que buscava a máxima eficiência por meio das linhas de montagem (produção em série, a qual foi satirizada no filme Tempos Modernos de Charles Chaplin), esgotando e alienando os operários. Já para Henri Fayol, autor da Teoria Clássica da Administração, o foco estava na estrutura hierárquica da empresa, com uma visão mais holística. Chiavenato[1] organiza as principais teorias da Administração, da seguinte forma:

Figura 1: As principais teorias do pensamento administrativo. Fonte: CHIAVENATO, 2005, Fig. 1.1 p. 13.

Com a Grande Depressão de 1929, a Teoria das Relações Humanas ganhou força, dando ênfase a um tratamento mais humano e foi a partir da Experiência de Hawthorne, de Elton Mayo, que as empresas passaram a reconhecer a importância da motivação e dos incentivos aos colaboradores (monetários e não-monetários). Desde então, as empresas evoluíram consideravelmente com os ideais de autores como Peter Drucker, pai da teoria neoclássica da administração e um dos primeiros a notar a tendência da sociedade do conhecimento, ou seja, a transição do trabalho operacional para o cognitivo. É dele a frase que simboliza essa transição:

“Gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação"

Novos modelos de gestão foram implementados e a frase “capital humano como o ativo mais valioso da companhia” se tornou célebre. É nesse contexto, por volta da década de 60, que surge o conceito de qualidade de vida no trabalho (QVT), até então negligenciado pelas teorias clássicas de administração em prol da eficiência da produção e do avanço tecnológico. Segundo Richard Walton[2], um dos principais expoentes sobre o tema, a QVT é um conjunto de práticas adotadas pela empresa para proporcionar equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, aumentando a produtividade da companhia e a motivação dos colaboradores.

Ao contrário do que as primeiras teorias de administração defendiam, colaboradores motivados são tão essenciais quanto os demais recursos da empresa.

 Através da globalização e do desenvolvimento de novas redes sociais, um colaborador pode postar sua opinião insatisfeita em sites como o Love Mondays, por exemplo, uma verdadeira vitrine do EVP - Employee Value Proposition. Desse modo, a reputação da empresa como empregadora é transparente para qualquer um que acessar a página da empresa no site ou no aplicativo. Tenho notado, conversando com candidatos (especialmente de estágio e trainee), que muitos deles consultam o site para decidir se irão para a entrevista da empresa. Ou não.

Esses mesmos jovens da geração Y que tem poder de decisão sobre qual empregador escolher consideram a QVT como fator determinante ao tomar a decisão, segundo pesquisa realizada pela consultoria Page Personnel, com mais de 2000 jovens em início de carreira:

Quadro 1: Os fatores mais atrativos para jovens em relação à escolha da empresa. Fonte: Page Personnel

Isso representa uma mudança de paradigma importante: considerando o ambiente desafiador no qual estamos inseridos atualmente, com quase 14% da população desempregada, há jovens qualificados participando de inúmeros processos de estágio e trainee, os quais têm a possibilidade de escolher em qual empregador irão trabalhar e decidem isso através do que leem em sites como o Love Mondays, além de acessarem funcionários da empresa pelo LinkedIn e perguntarem como é trabalhar naquela determinada empresa.

Se o funcionário não responde ou dá uma resposta que demonstre sua insatisfação, qual é o impacto disso para a empresa?

Walton também elaborou um modelo composto de oito dimensões que, segundo seus estudos, influenciam diretamente a vida do colaborador. Este modelo foi amplamente utilizado por empresas para criar seus próprios programas de qualidade de vida e está relacionado com os pontos destacados da pesquisa acima:

Quadro 2: O modelo de QVT de Walton. Fonte: WALTON, 1973 apud TIMOSSI et al., 2008[3]

Além da exposição do EVP da empresa, um colaborador desmotivado também pode proporcionar uma experiência de atendimento, venda ou qualquer contato com o cliente que pode ser catastrófico. Basta acessar o Reclame Aqui para ver como uma reclamação pode expor a empresa e causar prejuízos financeiros.

Na época em que esteve como vice-presidente da loja de departamentos americana Sears Roebuck and Company, Anthony J. Rucci[4] conduziu uma pesquisa de cinco anos nas mais de 800 lojas sobre como o comportamento do colaborador estava conectado à satisfação do cliente e, claro, à lucratividade. Com o auxílio da pesquisa de satisfação dos colaboradores, a Sears focou fortemente em práticas de engajamento dos colaboradores. O estudo concluiu que um aumento de 5 pontos na pesquisa de satisfação dos colaboradores leva a 1,3 pontos percentuais na satisfação dos clientes e um aumento de 0,5% na receita da empresa.

Em seu estudo sobre o mesmo assunto, Harter[5] confirma que organizações demonstraram um aumento de 4% na lucratividade quando os funcionários estavam altamente engajados, de acordo uma pesquisa de meta-análise que observou 36 organizações entre indústrias, bancos, call centers, hospitais, lojas de varejo, etc.

Em ambos os casos, aparece a palavra engajamento. Brian Haven[6], define o termo como: 

“O engajamento é o nível de envolvimento, interação, intimidade e influência que um indivíduo tem com uma marca ao longo do tempo”.

  Vale ressaltar que motivação e engajamento são coisas diferentes. Chiavenato a define como:

“Motivação é tudo aquilo que impulsiona o indivíduo a agir de determinada maneira ou dá origem a um comportamento específico”.

 Edu Santos[7], em artigo escrito para o site “administradores.com.br”, comenta que o vínculo emocional é o fator determinante no alinhamento de valores que gere adesão espontânea que resulte em engajamento. Ele ressalta que:

“É possível motivar uma pessoa sem engajá-la, entretanto, não é possível engajar um indivíduo sem que haja uma motivação intrínseca que resulte na adesão espontânea”.

 Apesar de Haven ser um especialista em marketing e o termo engajamento ser utilizado comumente nesse campo, ele se encaixa perfeitamente quando estamos falando de qualidade de vida. Colaboradores motivados e engajados produzem mais, tem maior fidelidade com o EVP da empresa e atendem melhor os clientes, aumentando a sua satisfação e, consequentemente, a lucratividade da organização.

É importante falar de motivação e engajamento, pois estão intrinsicamente ligados ao tema de qualidade de vida. A QVT é um grande propulsor da motivação e do engajamento do colaborador. Naturalmente, este campo abre um mundo de possibilidades para se aprofundar, como felicidade no trabalho, por exemplo, outro tema imprescindível, contudo, eu não gostaria de estender este artigo.

Outros aspectos interessantes que aparecem no modelo de QVT de Walton é a questão de diversidade e responsabilidade social da empresa. Note que o modelo é do início da década de 1970 e até hoje existe dificuldade elevada em tratar de diversidade nas empresas, sobretudo quando se fala de gênero e racial, orientação sexual, pessoas com deficiência, etc. Quanto a responsabilidade social, não é incomum de encontrar uma página dentro dos websites das companhias dedicado à essa questão. Além do incentivo fiscal, as companhias ganham com reputação e orgulho dos colaboradores, aumentando seu engajamento.

Grandes, médias e pequenas empresas passaram a se preocupar com o tema e não somente Startups, como se vê com frequência na mídia. Confira algumas das práticas comuns de QVT:

Aspectos relacionados à saúde:

  • Grupo de corrida e caminhada: empresas geralmente contratam uma assessoria esportiva e os colaboradores se exercitam semanalmente, além de participarem de provas de corrida de rua.
  • Acompanhamento nutricional: para auxiliar numa dieta mais balanceada e saudável.
  • Cesta de frutas diária e restaurante com alimentação saudável: Ideia presente em algumas startups e empresas de variados portes, a cesta de frutas é uma opção barata e de incentivo à uma alimentação mais saudável. Empresas grandes com restaurantes internos também já implementaram um cardápio mais balanceado.
  • Auxílio academia: algumas empresas possuem academia dentro de suas instalações! Outras fornecem benefício corporativo para utilizar academias com desconto.

Aspectos relacionado à equilíbrio entre vida pessoal e profissional:

  • Horário flexível: que tal entrar mais tarde no trabalho para poder levar os filhos na escola ou fazer um curso de inglês cedinho? Muitas empresas já deixaram de controlar os horários de entrada e saída, focando no resultado do colaborador. 
  • Home office: Trabalhar de casa uma ou mais vezes por semana já é realidade em diversas empresas que fornecem materiais como notebook e celular corporativo para o colaborador poder realizar o trabalho remotamente.
  • Licença-maternidade estendida e creche da empresa: de acordo com a lei brasileira, a licença-maternidade tem a duração de 4 meses, mas empresas já praticam 6 meses de licença, dando mais liberdade e conforto no período de amamentação. Outra prática é ter uma creche nas instalações da companhia, dando um apoio maior ao colaborador. Para casais homoafetivos, organizações que prezam pela diversidade também oferecem o benefício de licença estendida, inclusive para adoção.

 Aspectos relacionados à lazer e cultura

  • Visita dos familiares à empresa: empresas que abrem as portas para que os familiares conheçam o ambiente de trabalho de seu parente em situações especiais, aumentam o vínculo e orgulho do colaborador.
  • Descontos em cinemas e teatros
  • Dia do pet: Isso não é exclusivo de Startups. Algumas empresas já permitem a ida do seu pet para o ambiente de trabalho periodicamente ou em algum evento especial.

Além disso, é comum haver programas de voluntariado e ações de responsabilidade social como auxílio a ONGs, instituições de idosos, etc. Todas essas ações de QVT buscam a harmonia entre a vida pessoal e profissional, ambas intrinsicamente ligadas e impossíveis de serem totalmente separadas. Apesar da Teoria das Relações Humanas ter sido concebida em 1932, muitas empresas ainda têm baixa preocupação com a motivação e engajamento dos colaboradores em pleno ano de 2017.

Como visto nas pesquisas apresentadas, não se trata somente de uma questão “cool”. Não se trata de a empresa ser uma “pseudo-startup” (se é que esse termo existe) que possibilita ao colaborador levar o pet e entrar mais tarde no escritório porque isso é bacana. Nem as startups e nem as empresas de variado porte o fazem por conta disso. Essas organizações já perceberam que os tempos são outros, que hoje temos diferentes gerações no mercado de trabalho com diferentes necessidades e que QVT é um tema que necessita continuar no planejamento estratégico, caso atrair e reter os melhores talentos seja assunto de importância para essas companhias.

Algumas das ações apresentadas possuem custo mínimo ou zero, portanto custo não é uma desculpa para não trabalhar a QVT na empresa, visto que até mesmo as startups com menor poder aquisitivo e empresas de pequeno porte já o fazem.

Essas organizações também estão cientes do impacto positivo na satisfação do cliente e na receita que colaboradores motivados e engajados podem causar. É lamentável que ainda existam empresas presas nos modelos da Teoria Clássica da Administração (e que não são poucas) e que QVT ainda não seja realidade nessas organizações. Uma empresa que não dá valor para qualidade de vida no trabalho só tem a perder.

Artigo originalmente publicado no LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/caioianicelli/

Sobre o autor

Caio Ianicelli Cruzeiro tem 10 anos de experiência em Recursos Humanos nas áreas de seleção e treinamento & desenvolvimento. É formado em Administração e atualmente cursa MBA em Educação Corporativa pelo Senac-SP.  

______________________________________________________________________ [1]CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. São Paulo: Campus, 2005.

[2] WALTON,R.E. Criteria for quality of work life. In: DAVIS, L.E. et al. Quality of working life: Problems, projects and the state of the art. New York: Macmillian, p. 91-104, 1975.

[3] _______. Quality of working life: what is it? In: TIMOSSI, L. S. et al. Relações entre o estilo de vida e qualidade de vida no trabalho: avaliação e influências sobre a vida dos colaboradores. Efdeportes Revista Digital, Buenos Aires, ano 13, N° 122, 2008. Disponível em: <http://www.efdeportes.com/efd122/estilo-de-vida-e-qualidade-de-vida-no-trabalho.htm>. Acesso: mai. 2017.

[4] RUCCI, A. J. et al. The Employee-Customer-Profit Chain at Sears. Harvard Business Review, January–February, 1998. Disponível em: <https://hbr.org/1998/01/the-employee-customer-profit-chain-at-sears> Acesso: mai.2017.

[5] HARTER, J. K. Business-Unit-Level Relationship Between Employee Satisfaction, Employee Engagement, and Business Outcomes: A Meta-Analysis. Journal of Applied Psychology, vol. 87, No. 2, p.268–279, 2000. Disponível em: <http://www.factorhappiness.at/downloads/quellen/s17_harter.pdf>. Acesso: mai. 2017.

[6] HAVEN, B. New Research On Engagement. Disponível em: <http://blogs.forrester.com/brian_haven/07-08-13-new_research_engagement>. Acesso: mai. 2017

[7] SANTOS, E. Engajamento e motivação. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/artigos/negocios/engajamento-e-motivacao/97730/> Acesso: mai. 2017